Ações de ética e compliance esbarram na resistência das lideranças
Prevenir erros, desvios e outras
inconformidades na execução das rotinas evita perdas, desgastes, ações
judiciais, desrespeito às normas legais e regulamentos, acidentes e outros prejuízos.
Esse é o objetivo das ações de compliance
que vêm sendo adotadas por milhares de empresas em todo o mundo.
Nota-se a preocupação das organizações
na prevenção das consequências danosas de erros, muitas vezes involuntários,
cometidos por trabalhadores de todos os níveis hierárquicos. Um simples lapso
na digitação de dados no momento da entrada de informações de um cliente pode comprometer
a qualidade e a rentabilidade da operação. Por exemplo, a aprovação de valores indevidos
para operações de crédito ou a impossibilidade de entregar uma venda ou ainda a
venda de um produto diferente do efetivamente adquirido pelo cliente vai causar
problemas e perdas diversas. Muitos desses “pequenos” erros provocam desgastes,
incluindo o comprometimento da reputação e da credibilidade da empresa.
Podem ser pequenos prejuízos que nem
aparecem na contabilidade. Entretanto, existem situações em que erros podem
gerar danos incalculáveis, como por exemplo multas de grande monta, capazes de
ameaçar a lucratividade e até mesmo a sobrevivência da empresa.
Diante dessa realidade, as ações de compliance tornaram-se indispensáveis para
a boa gestão de empresas de todos os tamanhos.
Apesar disso, empresas que investiram
fortemente em compliance, incluindo
programas de ética, se viram envolvidas em situações que geraram enormes
prejuízos. Só nos últimos tempos, para além dos escândalos de corrupção e
lavagem de dinheiro que envolveram relações entre os setores público e privado
no Brasil, como Petrobras, JBS, Odebrecht, OAS e tantas outras, multinacionais
respeitadas como Vale, Volkswagen, Nissan, United Airlines, Facebook, Zara e
tantas outras marcas famosas apareceram em escândalos éticos variados.
Se todas essas empresas já haviam implantado
programas de prevenção de riscos, por que tantos escândalos?
A responsabilidade quase sempre recai sobre
a atitude antiética de profissionais que
tinham poder de decisão, ou seja, um líder.
E
quem são esses líderes? São pessoas que trabalhavam e conviviam na empresa por
tempo suficiente para ter demonstrado o seu perfil egoísta. Pessoas capazes de
tomar uma decisão eticamente incorreta, com potencial para provocar muitos
prejuízos, certamente tinham plena consciência dos riscos envolvidos naquela
opção.
Muito provavelmente estão entre as
mesmas pessoas conhecidas pelo comportamento que demonstra ser alguém
arrogante, ganancioso, mentiroso, vaidoso, tendencioso e bem mais ambicioso do
que a maioria dos colegas.
Por esse motivo é possível afirmar que
as condutas antiéticas percebidas nas empresas, e que compõem os riscos
operacionais e são responsáveis por prejuízos imprevisíveis e incalculáveis,
acontecem porque seus agentes não foram devidamente orientados/desestimulados
desde quando começaram a trabalhar naquela organização.
De maneira geral, quando se pensa em
trabalhar a ética nas empresas, o foco recai na prevenção de fraudes, corrupção,
pagamento de propina e lavagem de dinheiro.
Os códigos de conduta, políticas de
consequências e canais de denúncia são criados e divulgados, mas apesar de
abordarem questões referentes ao relacionamento pessoal, discriminação, como
assédio moral e sexual, a efetividade das ações coercitivas parece limitada a questões
que envolvem apenas a honestidade dos colaboradores.
Quando as ocorrências estão
relacionadas à conduta das lideranças, uma nuvem espessa parece encobrir a
visão de quem deveria inibir comportamentos abusivos, ou seja, as chefias
imediatas dos faltosos.
Nas reuniões estratégicas onde o
assunto “ética” é abordado, as lideranças presentes são consideradas acima de
qualquer suspeita ou não passíveis de terem seus comportamentos questionados. É
como se a falta de ética na conduta pessoal estivesse longe dali e todos os
presentes fossem exemplos a serem seguidos.
Outra informação capaz de imobilizar
reações contrárias de gestores de todos os níveis é aquela que aponta para
irregularidades cometidas na realização de negócios, especialmente se esses
negócios somam para o alcance de metas estabelecidas. Desde que essas
irregularidades não possam ser enquadradas como criminosas, dificilmente elas
serão recriminadas e, muito menos, punidas.
Assim, diante da certeza da
impunidade, vendedores abordam clientes de outros colegas, invadem áreas de
terceiros, enganam clientes, roubam projetos e ideias, apresentam relatórios
inconsistentes, mentem, sabotam e trapaceiam. E quem trabalhou corretamente,
além de ter dificuldade de alcançar o mesmo resultado, ainda é convidado a
aplaudir e parabenizar o desempenho e a promoção alcançada pelos colegas que
adotam esses subterfúgios.
Quem não fica desmotivado diante dessa
realidade?
Líderes antiéticos que alcançam
resultados satisfatórios parecem ter um salvo-conduto para cometer assédio
moral e/ou sexual. Dificilmente o gestor responsável pela manutenção dessa
liderança deixa de ter conhecimento sobre o comportamento inadequado de seu
subordinado. A “rádio corredor” costuma divulgar essas notícias de forma
bastante eficiente. Então, sendo um líder de outros líderes, por que não toma a
iniciativa de inibir condutas inadequadas, capazes de comprometer a qualidade
do ambiente de trabalho e o bem-estar de outras pessoas?
A resposta é simples: o que ele vai
ganhar com isso? Se esse líder é grosseiro, vaidoso, arrogante, egoísta, mas
faz resultados, por que se desgastar envolvendo-se em cobranças que em nada vão
acrescentar ao resultado dos negócios?
A decisão de não agir é extremamente
egoísta e também antiética. Pessoas capazes de trapacear para alcançar
resultados têm em comum o perfil de serem ambiciosas e querem sempre agradar a seus
superiores hierárquicos. Para muitos desses profissionais, que são verdadeiros
algozes de suas equipes, uma ou duas conversas sinceras, com críticas contundentes
a respeito de sua forma de se relacionar com seus liderados, seriam suficientes
para que buscassem melhorar sua conduta por receio de perder a posição ou o
emprego.
Gestores que optam pela acomodação de
não educar seus subordinados com relação à conduta ética não estão minimamente
preocupados com o bem-estar das equipes. Não enxergam também que esse líder de
má conduta inspira futuros líderes com seus maus exemplos.
A falta de proatividade das lideranças
para inibir condutas antiéticas é também responsável pela ineficácia dos canais
de denúncia e das pesquisas de avaliação de desempenho 360º. Isso porque,
quando uma denúncia é registrada ou uma avaliação não agrada ao gestor
avaliado, a primeira atitude do “ofendido” é buscar identificar quem denunciou
ou quem fez a avaliação desfavorável a fim de poder retaliar.
A retaliação aos denunciantes é uma
realidade em empresas do mundo ocidental, conforme aponta a pesquisa GBES, que
periodicamente ouve empregados de empresas localizadas em 13 países, incluindo
o Brasil, e que é realizada pela organização norte-americana ECI - Ethics &
Compliance Initiative.
Esse quadro explica o porquê de tantos
escândalos. Líderes antiéticos estão muito próximos de serem também desonestos,
ou no mínimo condescendestes com irregularidades, pois a linha que separa essas
duas características é muito tênue.
E é por isso que até mesmo organizações
que já receberam a certificação de empresas comprometidas com a ética estão
expostas a escândalos e prejuízos produzidos por decisões e atitudes inadequadas.
Para reduzir esse risco as empresas
deveriam investir na educação para o desenvolvimento da consciência ética. E
educar, além de ensinar e orientar, é também punir atitudes antiéticas. É
exigir que as lideranças sejam educadoras, formadoras dos futuros profissionais
e, portanto, exemplos de integridade moral.
A certeza de que os atuais líderes
terão que rever seu comportamento, abrindo mão de algumas liberalidades
eticamente questionáveis e buscando um maior controle de suas ações e reações,
é o motivo pelo qual tantas empresas evitam investir na formação ética de seus
colaboradores. Porque para cobrar vão precisar dar o exemplo, o que gera muito
desconforto.
Enquanto as empresas não valorizarem
as pessoas que privilegiam sua integridade e sua consciência ética para nortear
suas decisões dos incontáveis dilemas éticos do dia a dia, o cenário não vai
ser alterado.
Está claro que pessoas sem consciência
ética e confiantes na impunidade vão continuar defendendo e decidindo conforme
seus próprios interesses. Assim, os interesses da empresa nunca serão tratados
como prioridade.
É preciso ter clareza de que a maioria
das pessoas quer fazer o que é certo, quer fazer o melhor. Existem pessoas que
sempre vão decidir para atender aos seus próprios interesses, enquanto outras
sempre decidirão com base em sua integridade de princípios, fazendo o que é o
certo. Contudo, a grande maioria das pessoas está posicionada em algum lugar
entre esses dois extremos, ou seja, vão decidir conforme a cultura do local em
que atuam. A maioria das pessoas que trabalham vai seguir a cultura da empresa
e o exemplo de seus líderes, como também vai fazer tudo o que eles pedirem.
Isso demonstra a importância do
investimento na educação para o desenvolvimento da consciência ética como forma
de verdadeiramente inibir os riscos operacionais das empresas. E essa educação
começa pelo real comprometimento das lideranças.
Enquanto os gestores insistirem em
fechar os olhos para essa evidência, muitos escândalos vão continuar
acontecendo. Escândalos que geram grandes prejuízos para essas mesmas empresas,
mas que também provocam a perda de vidas em acidentes que destroem o
meio-ambiente, encerram carreiras e contribuem para que a sociedade deixe de
evoluir moralmente.
Além disso, lamentavelmente, os
ambientes de trabalho vão continuar injustos e cada vez mais hostis, adoecendo
emocional e fisicamente muitos trabalhadores a cada dia.
Marcia
Cristina Gonçalves de Souza
03 de abril
de 2019