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Carioca, formada em jornalismo, Marcia Cristina iniciou a carreira na área de Comunicação Social do BNH e da Caixa Econômica Federal. Foi repórter de TV em Salvador e editora de reportagens em Curitiba. Em 1995 passou para a área de negócios e foi gerente geral de unidades de negócios da Caixa na Bahia. Pós-graduada em Gerência de Marketing pela ESPM/SP (ministrado em Salvador) e MBA em Gestão Empresarial pela Universidade Católica de Salvador em parceria com a UFRJ. Em 2009 lançou o livro “Ética no Ambiente de Trabalho, editora Campus/Elsevier. Entre 2013 e 2016 trabalhou na área de educação da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem - ABCD, no Ministério do Esporte, exercendo também a Diretoria de Informação e Educação em defesa da Ética no Esporte. Em 2018 participou da coletânea, Criativos, Inovadores e Vencedores, editado pela Literare Books, São Paulo e lançou o segundo livro solo, Conduta Ética e Sustentabilidade Empresarial, pela editora Alta Books. Vive agora em Portugal.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Treinamento sobre Conduta Ética. Será que precisa?

Em 2004, uma grande empresa do mercado financeiro onde trabalhei por 28 anos estava empenhada em aplicar os passos necessários para ser reconhecida como sendo ética. Empresas do mercado financeiro,ainda mais que empresas de outros segmentos, precisam ter credibilidade. Afinal, quem vai deixar suas economias com uma empresa que não inspira confiança?
No meio das várias providências a serem tomadas para atender às necessidades dos clientes e da alta administração, além da eterna corrida para alcançar as metas de venda, captação e aplicação, surgiu uma determinação diferente com a marcação de "URGENTE".
A empresa havia lançado seu "Código de Ética" e era preciso que todos os empregados acessassem uma determinada página da intranet para atestar que havia lido o referido código e, portanto, estava ciente do conteúdo do novo instrumento administrativo.
O código nem era tão volumoso, mas, como tratava-se de uma empresa estatal, fazia referência ao Código do Servidor Público Federal, lançado por decreto em 1994, um documento com cerca de 20 páginas que deveria ser lido com calma e atenção.
Como gestora de equipe, fui orientada a cobrar de todos a assinatura que atestava ciência sobre o conteúdo dentro de um determinado prazo. Mas, estranhamente, não fui orientada a estimular a leitura, ou a marcar reuniões para discutir com a equipe as condutas que deveríamos adotar em cumprimento ao novo código.
Curioso que era costume das áreas da matriz e da superintendência local marcar reuniões para divulgar cada novo produto lançado. Nessas reuniões, éramos apresentados às características do novo produto, que poderia ser um novo seguro ou um novo tipo de previdência privada, e estimulados a criar estratégias de abordagem e venda. Ao retornarmos para nossas agências, repetíamos a "aula" com a equipe para que as dúvidas fossem esclarecidas. Afinal. era importantíssimo que todos os empregados conhecessem bem o produto que iriam oferecer aos clientes.
Infelizmente, meus superiores não marcaram qualquer reunião sobre o novo Código de Ética. Tudo o que recebi foram planilhas de acompanhamento de quantos empregados já tinham atestado a leitura e quantos (e quais) ainda não tinham assinado.
Ainda dentro do prazo estabelecido pela presidência, o Sindicato dos Bancários da Bahia passou a orientar seus associados a NÃO atestarem a leitura do código. Segundo os sindicalistas, quem assinasse o ateste de leitura estaria colocando-se sob o risco de ser punido em caso de descumprimento das diretrizes ali expostas.
E então? A quem a equipe deveria obedecer? A Gerente Geral que pedia que eles atestassem a leitura do código sem que eles tivessem recebido qualquer estímulo efetivo à leitura e interpretação do conteúdo ou ao sindicato que orientava a não assinar com o objetivo de prevenir futuros eventuais problemas?
Lembro que não foi fácil, e que eu, particularmente, não consegui atingir os 100% de mais esta "meta".
Confesso que, naquela época, eu ainda não estava devidamente "antenada" com as questões éticas, e que minha única preocupação a esse respeito era cuidar de minha própria conduta e utilizar os instrumentos de controle disponíveis para acompanhar a conduta de minha equipe.
Vejo agora que essa falta de cuidado foi um grande equívoco de minha parte.
Sem provocar na equipe o interesse na leitura e sem criar a oportunidade de discutir o conteúdo, de esclarecer possíveis dúvidas, de equalizar opiniões divergentes e de realmente saber como deviam e como não deviam agir, permiti que todos corressem o risco de ser punidos por atitudes que eles nem sabiam que tinham passado a ser inaceitáveis.
Importante lembrar que, até então, não era considerado erro grave receber um bom presente de um cliente satisfeito, ou que um simples "arredondamento" na prestação de contas não seria motivo para uma punição mais severa.
As coisas tinham mudado muito, e quase ninguém se deu conta!
Senhas de acesso a sistemas e cãmeras instaladas no ambiente de trabalho passaram a denunciar cada comando e cada movimento dos empregados.
Era preciso rever a forma de levar os relacionamentos com os grandes clientes. Os presentes recebidos não poderiam custar mais do que R$100,00. Já não era considerado correto aceitar convites para finais de semana ou férias em hotéis ou fazendas de clientes, entre outras mudanças de conduta que passaram a ser impostas.
A cultura ética estava mudando e a empresa, que investe milhões de reais todos os anos em diversos cursos e reuniões de trabalho, considerou que não havia necessidade de investir no treinamento dos gestores e de suas equipe.
Para a empresa, o importante era cumprir as etapas de implantação da ética empresarial. Era importante comprovar que um percentual X de empregados haviam atestado estar cientes da conduta ética esperada. Alguns critérios negociais foram revistos. Também foi criado um canal de denúncias que permitia inclusive o anonimato dos denunciantes, mas sem que houvesse qualquer campanha interna que despertasse a confiança que o anonimato seria realmente assegurado.
Também não foi divulgada nenhuma penalidade aplicada a quem descumpria o Código de Ética. Na verdade, pelo menos a princípio, parecia que nada havia mudado.
Pior que, ainda hoje, esse mesmo panorama está sendo mantido nas maiores e até nas melhores empresas.
Esse é o grande equívoco que vem sendo compartilhado pela maioria das empresas em todo o mundo. O gestores de ética estão esquecendo que a diversidade cultural e de origem das pessoas nas empresas favorece o surgimento de diferentes interpretações sobre o que é considerado certo ou errado. Pessoas nascem em diferentes regiões que seguem diferentes culturas. São criadas em condições socio-econômicas distintas, vivenciam experiências muito específicas, aprendem ou não aprendem o que é correto com base em exemplos que presenciam em suas famílias, escolas e comunidades.
Por exemplo, uma criança que cresce vendo o pai ultrapassar outros carros pelo acostamento das estradas congestionadas vai desenvolver a consciência de saber que isso não é correto?
Quantas pessoas consideradas honestíssimas se privam da tentação de levar para casa materiais de escritório das empresas em que trabalham? E se as câmeras de segurança flagrarem essa atitude?
São perigos ao estilo "pegadinhas" que podem destruir carreiras e vidas se não forem devidamente divulgados.
Hoje em dia, com a evolução dos instrumentos de controle, está ficando cada vez mais fácil descobrir deslizes de empregados. Será que é ético e justo que a empresa nada faça nivelar o conhecimento e evitar que as pessoas errem porque não foram orientadas e estimuladas a analisar sob o ponto de vista ético algumas atitudes tão comuns?
A conduta ética pode até ter um componente genético, afinal, está intimamente relacionada ao caráter da pessoa, mas a cultura da sociedade de origem, os exemplos de conduta vivenciados e a própria cultura empresarial, que varia (e muito!) de uma empresa para outra precisa ser divulgada.
Empresas que querem ser éticas, precisam ter empregados éticos e não podem se furtar ao trabalho de desenvolver a consciência ética de seus colaboradores. São eles que fazem a empresa, que a representam, que decidem sobre seus negócios e suas ações relacionadas à sociedade, à sustentabilidade.
Então, alguém pode me explicar por que isso ainda não está acontecendo?

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